Presidente da MAE Natureza, Hélio Palmesan; Silvano Silvério da Costa (Secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente); Alexandra Cousteau (Presidente da Organização Blue Legacy); Pedro Kupfer (Professor de Yoga – Editor do site yoga pro – surfista) e Goura Nataraj (Professor de Yoga e Filósofo) dão depoimentos sobre a atual situação da água no mundo à renomada revista Yoga Journal

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Planeta água

Por: Thays Biasetti

A vida depende da água. Mas e se ela acabar? Especialistas e professores nos ajudam a entender como aplicar o Yoga à proteção dos recursos hídricos.

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Foto de abertura: Huan Gomes


Quando éramos crianças, dizia-se que a água era inesgotável. Essa história mudou e começamos a ouvir previsões de que a água está acabando, a ponto de, em alguns anos, substituir o petróleo na causa de conflitos pelo mundo, especialmente na Ásia e na África.

No momento atual, a Terra possui 2,5% de água doce, sendo que 0,3% é acessível ao consumo humano. Metade da água disponível já é usada pela humanidade, mas 20% da população não tem acesso à água potável. E grande parte não é usada para consumo direto. “Mais de 2/3 do consumo de água no mundo serve para animais e irrigação de lavouras em regiões áridas e semiáridas. A indústria é o segundo maior usuário. E apenas 10% de toda a água consumida no planeta é para o uso doméstico”, diz Silvano Silvério da Costa, secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente.
Segundo um alerta do relatório das Nações Unidas, 2 bilhões de pessoas enfrentam a escassez de água potável e até 2025 esse número deve dobrar. “A desigualdade social e a falta de manejo e usos sustentáveis dos recursos naturais são os principais fatores para a escassez de água, segundo dados da ONU – Organização das Nações Unidas. A escassez de água potável em mais de 60 países, incluindo europeus, provoca a morte de mais de 1,5 milhão de pessoas a cada ano. Praticamente uma morte a cada 20 segundos, principalmente de crianças que ingerem água contaminada”, explica Hélio Palmesan, presidente da ONG Mãe Natureza, que executa um premiado trabalho de educação ambiental no interior de São Paulo.

E não são apenas os rios e aquíferos que estão em perigo. Os oceanos também correm risco por causa da poluição, do aquecimento global e da pesca predatória. E apesar de a água dos oceanos não ser potável, também é de extrema importância.

Alexandra Cousteau, presidente da organização Blue Legacy e neta do famoso ambientalista e oceanógrafo Jacques Cousteau, acredita que não há como separar as “águas” da Terra. “Quanto mais viajo, mais entendo que todos os nossos recursos hídricos estão conectados. Em 2010, exploramos o famoso rio Colorado. Esse incrível sistema fluvial formou a geografia, história e cultura do sudoeste dos Estados Unidos. Mas esse rio não chega mais ao mar há 12 anos. Como muitos outros rios no mundo, a extração, alocação de curso e gerenciamento e uso inadequados acabaram com o seu fluxo. Isso mostra a importância de proteger a integridade dos nossos sistemas hídricos. Os oceanos dependem dos rios e ambos estão em crescente perigo”, explica Alexandra.


A situação brasileira
O Brasil é um país privilegiado nessa questão, já que cerca de 11% de toda a água doce disponível no mundo está no País. Isso inclui o maior rio em volume de água (rio Amazonas), a maior planície de inundação (Pantanal) e dois dos maiores aquíferos do mundo (o Guarani e o Alter Chão). Mas esses aquíferos e sistemas hídricos estão em risco. Além dos rios, que já estão poluídos, lençóis freáticos são contaminados por agrotóxicos das lavouras ou mesmo por dejetos humanos em lugares sem saneamento. “O consumo inconsequente e a falta de infraestrutura podem jogar ralo abaixo esse bem que possuímos. O recurso de águas superficiais que poderiam suprir a grande demanda atual e futura desapareceu, cedendo espaço para as monoculturas e pastagens”, explica Palmesan.

Há aqui projetos como o Plano Nacional de Recursos Hídricos e o Programa de Revitalização de Bacias Hidrográficas em Situação de Vulnerabilidade e Degradação Ambiental. Mas entre criação e implantação existe um grande hiato. “As políticas públicas para gerenciamento dos recursos naturais no Brasil podem até ser boas, mas falta vontade política para aplicá-las”, diz o professor de Yoga, editor do site yoga.pro e surfista Pedro Kupfer.

Além de todas essas questões, a ilusão de que nossa água não vai acabar faz com que a maioria da população tenha um comportamento abusivo. “Os brasileiros não ligam para vazamentos domésticos, burlam hidrômetros, não utilizam gatilho nas mangueiras, lavam carros e calçadas, não cultivam o hábito de abrir a torneira apenas o necessário durante o banho, ao lavar louças, escovar os dentes. Enfim, no quesito desperdício, somos campeões mundiais”, diz Hélio. E vai além: “Não mantivemos a cultura indígena, infelizmente. Esses sábios mestres que têm como mãe a natureza, não defecam nos riachos de onde tiram parte de seus sustentos ou envenenam os rios. Decididamente nada herdamos daqueles que chamamos de selvagens. Selvageria é o que praticamos, retirando da terra a trator sua camada de húmus, envenenando com agrotóxicos nossas nascentes, mares e rios”.


Até quando?
Em uma reunião que ocorreu em março de 2011 no Canadá, cientistas chegaram à conclusão de que, por causa das mudanças climáticas e do crescimento da população, em 20 anos a demanda de água excederá em 40% o suprimento do recurso natural. Se a previsão se concretizar, em duas décadas, um terço da população do planeta só terá metade da quantidade de água ideal às necessidades básicas. “Creio que vivemos uma situação bastante dramática. Temos de rever os paradigmas atuais de consumo e produção. Precisamos de água para viver, mas não precisamos de bilhões de garrafinhas plásticas, nem de jogar fora litros e mais litros de água para lavar os carros ou dar descarga quando fazemos um simples xixi”, diz Goura Nataraj, professor de Yoga e filósofo.

“Certamente as águas superficiais desaparecerão ou se contaminarão por conta do desmatamento. A quantidade de águas subterrâneas contidas nos lençóis freáticos e aqüíferos é incerta, de difícil captação e também poderão estar contaminadas pelo chorume proveniente dos aterros sanitários e lixões expostos a céu aberto e pelo uso excessivo de fertilizantes e agrotóxicos na agricultura”, diz Palmesan.


A água e o Yoga
A nossa prática não se restringe apenas a posturas no tapetinho. A consciência ambiental também faz parte do nosso estilo de vida. “Não podemos nos contentar com os benefícios físicos e mentais que ganhamos com a prática de asanas e pranayamas – devemos expandir essa conexão para todas as esferas de nossas vidas. O Yoga pode e deve estar presente em tudo o que fazemos. É a simples noção de que não somos esferas independentes do Universo. Que estamos todos conectados. O que fazemos influencia todo o Universo e ter consciência disso é o primeiro passo para se estabelecer um mundo mais harmônico e menos violento”, explica Nataraj.

Segundo Kupfer, o yogi reconhece a água não apenas como símbolo da vida, mas também da sabedoria. “O nome da deusa das ciências e artes, Saraswati, significa literalmente ‘aquela que flui’, e se refere à similaridade entre a fluidez das águas e a fluidez do processo criativo. A água é também símbolo do feminino, estando associada à lua, ao segundo chakra, svadisthana, aos órgãos reprodutores, à criatividade e à possibilidade de tornar a própria vida uma obra de arte”, diz Pedro Kupfer. “Como ser humano, dependo diretamente da água para a minha existência física. Como yogi, reconheço na água a fonte da vida. Como surfista, encontro nas águas dos oceanos uma fonte constante de satisfação e uma oportunidade que se renova a cada sessão para lembrar o quanto estamos conectados com a natureza que nos rodeia”, completa Pedro.

Essa adoração pela água é reconhecida nos antigos textos do Yoga. “Em um dos momentos mais bonitos e sublimes do ensinamento de Krishna na Bhagavad Gita afirma-se que o gosto da água é Deus. Krishna diz: ´raso ham apsu´ – Eu sou o gosto (rasa) da água”, diz Goura.

A literatura yogi também elogia os lugares onde há abundância de água limpa, sem a qual não podemos manter a limpeza e a força interna e externa do corpo. E se essa consciência em relação à água não é algo infundido em nossa mente, podemos começar a criá-la. “Ao beber a água pura, podemos meditar sobre isso e nos conectar com o Todo do qual emergimos. Devemos todos buscar a elevação da consciência e a destruição da ignorância. Tamaso ma jyotir gamaya – que a escuridão se vá e venha a luz”, diz Goura.


Mudanças necessárias
Provavelmente, não há mais como reverter a situação do que já foi perdido, mas podemos salvar o que ainda resta. “Estou comprometida a ajudar as pessoas a entender e dar valor ao relacionamento diário com a água e dar poder às pessoas que estão mudando nosso futuro. Meu trabalho como documentarista e advogada é discutir sobre a natureza interconectada de nossos recursos hídricos. Nós nos aproximamos das pessoas de maneira bem simples e as ajudamos a descobrir e proteger suas próprias fontes de água”, diz Alexandra Cousteau, que acredita também que a falta de conexão com a natureza fez da nossa geração grande esbanjadora. “Nossos avós e bisavós são os últimos em nossa linhagem a cultivar sua comida e coletar sua própria água. Existe uma conexão zero entre nosso estilo de vida e os lugares de onde vem a água, a comida e outras coisas. Isso faz com que seja difícil convencer as pessoas a proteger o meio ambiente, porque esquecem que dependem diretamente dele. Inspirar as pessoas a fazerem parte da conservação significa construir uma ponte nessas lacunas e reconectar as pessoas aos sistemas que provêm a base do nosso estilo de vida”, explica.

Goura vê o interior de cada como parte importante nesse processo: “Não podemos tratar um problema sem resolver o outro. A vida espiritual, ou seja, o cultivo da vida interior, do silêncio, do cuidado de si, são condições essenciais para reduzir o impacto negativo desta sociedade de consumo intensivo. O mundo só muda quando nossas percepções se transformam”, diz Goura.


Como cuidar da água
Calcule Segundo a organização holandesa Water Footprint, a pegada de água de um produto ou serviço é a soma dos volumes de água doce consumidos e/ou poluídos ao longo de sua cadeia de produção. A ideia é consumir produtos que utilizem menos água em sua produção. Por exemplo: para se produzir um quilo de arroz, gastam-se 3 mil litros de água; um quilo de carne de boi, 15.500 litros de água; um litro de leite, mil litros de água; e uma xícara de café, 140 litros. “Recentemente aqui na Índia uma fábrica de refrigerantes foi obrigada a fechar por simplesmente roubar toda a água de um oásis no deserto de Thar, no Rajastão, da qual milhares de pessoas dependiam para viver. Quando uso a palavra roubar, eu a uso para descrever uma situação na qual alguém está pegando algo que é de todos para uso próprio, sem avisar nem criar algum sistema alternativo para repor essa água”, diz o professor Pedro Kupfer.


www.waterfootprint.org
h2oconserve.org